Jovens e festas: diversão sem drogas

Jovens e festas são uma mistura certa. Não ter amigos pode ser tão perigoso para a saúde como fumar ou consumir álcool em excesso, como diz um estudo de cientistas americanos, publicado recentemente. O que seria uma festa? Nada mais do que uma ruptura da rotina, de transição de espaços e comportamentos, como forma de destruição de um tempo velho e como forma de vislumbrar um novo, cheio de energia e força.
  • Existe uma relação próxima entre jovem e festa?
    As duas palavras juntas emanam uma imagem positiva. Remetem-me à minha juventude, um lugar agradável, de encontros, de diálogo, de dança, de alegria, de trocas, de construção. Remete-me hoje aos jovens da cidade de Tiradentes, bairro no extremo Leste de São Paulo, que constroem sua historia através da cultura e arte, do teatro, do rap, hip hop, funk, das Conferências Lúdicas da Criança e do Adolescente, e mais recentemente do Conselho de Juventude.
  • A festa, então, é importante como lugar de socialização?
    Com certeza, é uma das formas de socializar-se. A festa é um produto da realidade social e, como tal, expressa ativamente essa realidade, seus conflitos e suas tensões. Nesse sentido, podemos afirmar que a festa é o espaço de convivência social de múltiplas territorialidades. Não negando que a festa possa ser também um exagero da realidade, ou ainda uma transgressão, profanação, um espaço para a ilegalidade.
  • Que importância tem para o jovem a socialização através da festa?
    Vale lembrar que os jovens vivem uma fase da vida na qual estão elaborando suas identidades, em um processo no qual a imagem de si, para os outros e para si mesmo, assume uma importância fundamental. A festa é um espaço que permite a possibilidade de inúmeras interações, com demarcação de identidades e estilos, visíveis na formação dos mais diferentes grupos, que nem sempre coincidem com aqueles que os jovens formam fora desse espaço das festas. A sociabilidade através das festas para os jovens parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade, enquanto sujeitos sociais.
  • A relação festas juvenis, drogadização e bebidas é uma mistura inseparável?
    O consumo de álcool é um assunto que envolve desde festas e comemorações ao perigo do abuso e da dependência. Não necessariamente as festas precisam ser regadas a bebidas e drogas. Segundo pesquisas, metade dos brasileiros admite beber com regularidade, sendo a idade média para o começar a beber de 12 anos e meio, mesmo que a lei só permita a venda de bebidas alcoólicas para maiores de 18 anos. Esse hábito costuma começar em casa, muitas vezes estimulado pelos próprios pais ou irmãos mais velhos. E quando chega a adolescência, período repleto de mudanças físicas, emocionais, sociais, a bebida pode tornar-se uma forma de ter novas experiências e testar limites.
  • Por que há elevados níveis de uso dessas substâncias?
    Uma das explicações para o consumo do álcool é que ele não tem aparência de algo que faz mal. Ao contrário, nas propagandas o álcool é glamorizado, associado a sexo e mulheres bonitas, sucesso nas relações. Um segundo ponto que explica a atração pelo álcool e outras drogas, sejam elas legais ou ilegais, é a busca de soluções fáceis e respostas rápidas para as coisas. Nós desenvolvemos na sociedade a crença de que há uma solução química para tudo. Não devemos nos frustrar, ir à batalha ou à luta. Vamos atrás de um remédio que resolva qualquer coisa. Sabe-se, ainda, que em alguns grupos de jovens o padrão de beber muito ou de ?beber até cair? é quase uma regra. ?Pega bem? ser uma pessoa que exagera, que passa dos limites. Mas por que esse código passa a ser aceito por parte do grupo? Necessidade de afirmação? Pura diversão? Falta de controle? Falta de informação? São muitas as hipóteses. Precisamos ter clareza de que o álcool (como outras drogas) altera a capacidade de a pessoa avaliar o ?tamanho do buraco? em que está se metendo.
  • Mas há muitos jovens, que mesmo tendo oportunidade, curtem as festas sem consumir drogas...
    Um dos motivos que vejo para o não uso e abuso do álcool e outras drogas é a oportunidade que o jovem se dá de escolher e de ter autonomia sobre a própria vida, quando possui consciência do que é a substância química, seja o álcool ou outras drogas, incluindo aqui os medicamentos. Uma das atividades que realizei nos anos de 1990 com grupos de jovens, filhos de alcoolistas e meus dois filhos e um sobrinho, foi vivenciar junto com eles outras formas de prazer, de curtir a vida, de realizar festas, que temos à nossa disposição. Realizamos trilhas e caminhadas, com direito a banho de cachoeira, passeios a cavalo e Jipe. Eram encontros, festas, alegria, músicas, troca de experiências sem nenhuma substância química. Porém com diálogo franco e presença na vida de todos eles. Não há como escapar: por trás da curiosidade do jovem em relação ao álcool estão diversos valores sociais, como a ideia reforçada pela publicidade de que a bebida está associada ao poder, ao sucesso e à atração física. Faz-se urgente e necessária uma proposta sistemática de discussão do uso e do abuso de álcool e outras drogas de maneira honesta, sem fazer terrorismo ou falsas ameaças.
  • Como se dissemina o mercado e o consumo das drogas?
    Lawrence Werner, num de seus estudos, pergunta: ?Como é que o consumo de álcool associado ao esporte não é percebido como uma ironia cultural?? A publicidade do álcool ligada aos esportes é contraditória, proporciona uma desejável relação com um estilo saudável, dinâmico e divertido de vida. Não há dúvida de que a mídia é a grande responsável por divulgar todas as marcas e potenciais qualidades das bebidas alcoólicas disponíveis no mercado. Afinal, realizar comerciais que atingem um público de dois bilhões de consumidores certamente é um negócio rentável. O uso comercial de nossa seleção por uma marca de cerveja, por exemplo, não é liberdade de expressão, é uma ironia, uma forma sofisticada de estimular a dependência do álcool desde a mais tenra idade. Não basta criar clínicas de tratamento, que são necessárias é bem verdade, mas temos que agir principalmente nas regras de mercado e de propagandas de incentivo ao uso e ao desencadeamento das dependências químicas.
  • Que atitude deve ter a família diante do filho usuário?
    A família também necessita de informação correta sobre o uso e abuso do álcool. Isso é um fato a se considerar. Na média, quanto mais novo se entra em contato com o químico, maior a dificuldade de controle do quanto se bebe. A pressão e a aceitação do grupo, a autoestima e a necessidade de afirmação ajudam a explicar o que acontece com o jovem. Para tentar entender melhor por que o(a) jovem começa a beber tão cedo ou por que bebe de forma exagerada, pais e mães devem abrir o instrumento da escuta, do diálogo, da responsabilização de suas atitudes e escolhas. Se o jovem não estiver envolvido nessa reflexão, não há alternativas. Proibição ou tolerância são dois extremos. Acredito mais no caminho do meio.
  • E a escola, como pode lidar com essas situações?
    Trabalhos de prevenção e de responsabilidade realizados na escola certamente ajudam. Mas o processo é bem mais amplo! Não cabe a nós continuarmos tendo uma visão simplista e superficial sobre esse assunto. Não se trata de desconsiderar os riscos e as complexidades bioquímicas do uso dessas substâncias, mas de abrir mais espaço para esse tipo de reflexão na discussão sobre o uso e abuso do álcool e outras drogas. Bebida alcoólica no Brasil é barata. A TV tem uma enxurrada de propagandas: cervejas e bebidas ?ice? já aparecem em oferta o dia inteiro. Para completar, comprar bebida não é complicado para os menores. A bebida alcoólica tem presença maciça nos acidentes de trânsito, e muitos remédios causam níveis altos de dependência. Entretanto não podemos imputar somente à escola a possibilidade de solucionar o problema. Ela é de fundamental importância nesse debate e entra como mais uma instituição na análise de uma solução multi-institucional. Sabemos também que devemos estar atentos e atuar em políticas contra o aliciamento de menores para o tráfico de drogas e a prostituição. Muitos destes fazem parte de empresas de organização de bailes. Eles se utilizam dos espaços da escola, e convidam os estudantes para participar das festas. Os meninos são aliciados para o tráfico de drogas e as meninas para a prostituição. As ?drogas? estão na sociedade e nas culturas. Portanto não podem ser entendidas fora delas. Pesquisadores, legislação, os meios de comunicação e as instituições devem levar em consideração a dimensão cultural do uso e abuso de álcool e drogas para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à realidade brasileira.